quinta-feira, 15 de julho de 2010

Everton.


No ginásio, com onze anos, eu gostava de um garoto chamado Everton. Ele era moreninho e tinha os cabelos castanhos cacheados. Ele namorava a Dida, uma menina bonita e riquinha e bailarina e de cabelos lisinhos e amiga de todas as outras meninas iguais a ela. Mas a Dida e suas amigas não gostavam muito de se misturar, ou correr, ou brincar elas gostavam de fazer pose e de usar maquiagem para assim aparentar serem mais velhas. Mas todo mundo com onze anos ainda quer correr que nem idiota correr pela quadra da escola. Logo o namoro deles não deu muito certo. Eu era o que se podia chamar de beleza indefinida. Não era de todo mal, mas também não era a óbvia lindinha. Cabelo nem pro liso e nem pro cacheado e nem pra nada que pudesse ser um estilo ou moda ou até mesmo um cabelo. Roupas do mesmo jeito. Nem feias, nem bonitas. Corpo do mesmo jeito. Nem magra atlética, nem gordinha desleixada. Um meio do caminho que piorava muito quando com meu uniforme cinza. Não chegava a andar com as meninas feias mas nunca fui amiga da Dida e das amigas dela. Eu era média, e eu não me importa de ser assim, porquê? Porque meninas médias podiam correr pela quadra da escola sem se preocupar em suar ou ficar com o cabelo armado. E eu curtia meus onze anos, logo corria. Foi daí que um belo dia resolvi jogar futebol na educação física, a Dida e as amigas delas me olharam como se eu fosse um ET. Ok, eu não mudaria de idéia só por isso. Juntamos um time com algumas garotas Et's e fomos jogar. Foi uma hora animadíssima de corrida atrás do que mesmo? Assim, da bola. Mas eu quase nem toquei nela. Passando o jogo os meninos vieram nos cumprimentar, de repente ninguém estava com a Dida, todos estavam lá com as meninas medianas, enquanto as bonitinhas de cabelo liso se corriam em ciúmes. Percebi então que eu tinha algo que aquelas meninas não tinham: a admiração dos meninos mais bacanas da escola.
No meio do tumulto e das risadas fomos para o intervalo, dada hora calmamente Everton caminhou até mim, e falou: você é linda sabia? eu fiquei muda e estarrecida e ele continuou : Podemos conversar na hora da saída? Pronto, senti que meu rosto inteiro se avermelhou, e só consegui dizer : sim, e esse saio meio engasgado meio ronquidão, meio falado. Ele por sua vez havia falado tudo bem sério, sem rir, sem parar pra pensar simplesmente me elogiou no dia que eu tinha suado mais que um porco na hora do abate e não satisfeito ainda queria conversar comigo. Ah vá. Ele saiu piscando pra mim, e eu sai pisando firme, com os olhos apertados e com as unhas enfincadas nas palmas das minhas mãos. Minha vontade era sair correndo e só voltar pra escola na outra encarnação. O que tinha dado nele?Pois bem, às seis da tarde, que era a hora de saída da escola, não conseguia conter o coração e o intestino, a sala dela era duas depois da minha e se encontrar na escada era algo que sempre acontecia, e eu sempre adorava, mas naquele dia no eu estava querendo sair da escola voando menos pela aquela maldita escada. Uma amiga virou pra mim e disse séria : Mas o que será que ele vai te falar? Será que ele vai querer ficar com você? E eu não sabendo o que falar só pensava em uma maneira de arrumar logo as minhas coisas na mochila e sair correndo de lá. Convenci minha amiga a demorarmos um pouco mais para sair pois se fossemos embora às seis e quinze ele ja teria ido embora, e no outro dia se esqueceria dessa maluquice de falar comigo na saída. Prometi a ela que, se ela fizesse isso compraria o lanche dela por duas semanas, e morta de fome como era aceitou na maior.Ok, sinal tocou e pela porta eu vi o Everton saindo da sala dele com aquele sorriso lindo que ele tinha e descendo as escadas. Ele estava cheio de livros. Meu coração tava parado na língua. Eu vou me trancar aqui a vida toda. Eu vou sumir do mundo. Ele não vai me ver nunca mais na vida. Eu vou mudar de escola, de país e depois pedir a NASA pra me mandar pra outro planeta. É isso. E amanhã, na hora do recreio, ele vai…. Ele vai o quê? Contar pra Dida que eu fui pra outro Planeta, e os dois vão rir de mim e constatar que eu era mesmo um ET. E ele vai voltar a namorar com ela que é bailarina e tem o cabelo lisinho e é amiga das meninas mais bonitas da escola. E eu? Eu vou pra Marte, e terei que ir à escola de lá e todos vão saber que eu vim da Terra fugida porque não tive coragem de conversar com o garoto que eu gostava. E serei motivo de fofoca pra sempre. E os garotos de lá não vão falar comigo porque não sou exatamente linda e nem exatamente muito normal e claro sou um fugitiva da terra . E se meus tutores de Marte quiserem falar com meu pai, meu pai não vai querer falar com eles, porque quem resolve as coisas mais difíceis é a minha mãe. E minha mãe não vai querer falar com eles, porque vai estar internada pelo susto. Minha amiga me cutuca para irmos embora e eu volto do meu mundo de fantasia e aterrizo direto na sala de aula, aonde só se encontra eu e ela.
Olho para a escada e quem está lá? Sim, o Everton. Porquê me pergunto quase chorando, ele me esperou quase quinze minutos? Eu era uma médiana de onze anos e assim continuaria para o resto da vida. Mas o Everton, o garoto mais popular e bonito e charmoso e gente boa da escola, estava me esperando na escada. Decido descer a escada, não há mais como esperar. Vejo que ele está nas mãos com os livros de química, física e gramática. Tentando parecer descolada mas tremendo muito, pergunto qual matéria que ele estudou hoje. Qual? Ele ri, ensaiado : nenhuma, trouxe pra minha mãe não ficar me enchendo. Eu tento parecer mais descolada ainda e falo que também faço isso, o que é uma grande mentira porque eu sempre fui muito nerd. Minha amiga sai de mansinho e eu a olho com um olhar fulminante de ódio, mas ela sorri como se estivesse crente que nem sempre ser amiga é fazer tudo que a outra quer. Ele me empurra para a saída e eu vou tentando não tremer tanto, ele me pergunta se gosto de futebol, e eu tento lembrar de algo que meu pai estava assistindo na TV, consigo engana-lo bem falando do Corinthians, e ele se surpreende que eu conheça algo de futebol. Saindo da escola passamos pela praça do beijo, lá era o lugar aonde todos os casais da escola ficavam, e eu me tremia mais ainda. Imaginei ele me jogando em um daqueles bancos e beijando minha boca sem ao menos me pedir licença pois é assim que os meninos tratam alguém de quem não gostam. Aquilo tudo me fazia mal demais, eu não entendia o que ele estava fazendo ao meu lado e toda a hora meus pensamentos me faziam sair daquela cena e ir pra outra. Me senti o verdadeiro Doug Funie. Comecei a pensar se eu fosse uma princesa, nos estariamos namorando e ele me levaria ao shopping. Mas como sou a garota estranha, ele tentaria me agarrar na praça. E como eu sempre tive curiosidade em saber como era estar com um garoto realmente lindo e desejado, eu deixaria. Mas se eu fosse uma princesa, ele estaria agora nervoso pra pegar na minha mão. Triste, triste, vou ficando tão triste. Por que não sou uma princesa? De repente. Puft. Scatapuft. Trililililim. Não sou mais a garota de onze anos, estranha, com medo de ser agarrada por um garoto inexperiente e afobado que acabou de terminar com a namorada. Estou ao lado da cena, escrevendo esse texto. Everton é um ótimo personagem para uma historinha. A estranha e insegura que pediu a amiga para enrolar na saída da escola para não ir embora com ele é uma personagem também. Não tenho mais medo dele tentar me agarrar mas leio “ele tenta pega-la pelo braço e a levar até o banco da praça”. Não sinto que ele começa a me abraçar e tenta enfiar a língua dele na minha boca apenas leio “e ele começa a abraçar e enfia a língua atrapalhada dele na boca dela”. E fico feliz quando, no parágrafo seguinte, descubro que a garota levanta e grita “chega, desculpa, mas eu não consigo, vai embora, por favor, eu nem conheço você direito, eu não quero que meu primeiro beijo seja assim”. Everton, frustrado e muito tímido, sai devagar, como que tentando ainda pensar em algo que salvasse sua tarde. Muito provavelmente não encontrou nada e ficou em silêncio. Ela fica sentada lá com a camiseta e a alma amassada. Everton vai embora. Ela sente uma dor profunda e se promete duas coisas: um dia vou ser uma escritora e um dia vou ser uma princesa.
No outro dia, Everton me pede desculpas na hora do recreio e agente começa a ser amigos. Um mês depois ele me pede em namoro (como era fácil namorar naquela época) e eu a garota estranha e médiana comecei a namorar com o garoto bonito e mais legal da escola. Tudo corre bem, eu virei princesa assim como queria. Hoje as 22 anos me sinto novamente a menina estranha, o Everton casara em Outubro, e imagino que seja com alguma bonitinha de cabelo lisinho ex bailarina, mas pelo menos agora eu me sinto quase uma escritora. Tudo saiu bem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário